O QUE É BITCOIN? O QUE É CRIPTOMOEDA? NA VERDADE, O QUE É DINHEIRO?
- VRemPauta
- 7 de nov. de 2021
- 7 min de leitura
O primeiro uso de papel- moeda ocorreu na China a mais de 1.000 anos.

Para iniciar qualquer debate sobre essas tecnologias, precisamos compreender de fato o que é dinheiro, e isso todos nós supomos que sabemos. Mas entendemos as funções do dinheiro, o que o dinheiro realmente é e o que ele representa? Como e quando apareceu o primeiro dinheiro? Nós pensamos nisso como uma forma de medir valor? É uma reserva confiável de valor? Quem realmente cria o dinheiro que usamos? É uma mercadoria a ser comercializada? E como esse dinheiro realmente se relaciona com nosso status social, com o valor real das coisas que usamos em nossas vidas, com o esforço que fazemos para obtê-las, com a economia real das organizações humanas?
Uma vez que você começa a pensar criticamente, as respostas já não parecem tão óbvias assim. Alguém pode questionar: “Erik, não seria a moeda no console do seu carro, a nota de real no seu bolso, o cartão de crédito na sua carteira, ou os bytes de um algoritmo?” O dinheiro é tudo isso, e nenhum deles, pois é principalmente uma forma de organizar nossas vidas em sociedade. Mas isso, de uma maneira particular e arbitrária: uma tentativa de fazer com que as qualidades freqüentemente indeterminadas de nossa experiência se ajustem perfeitamente às quantidades; quantidades que podem ser contadas e comparadas à unidades de conta padrão, onde tudo é avaliado em relação a uma quantia em dinheiro.
Como Felix Martin escreveu em Money: The Unauthorized Biography: “O problema é que o dinheiro não é realmente uma coisa, mas uma tecnologia social: um conjunto de ideias e práticas que organizam o que produzimos e consumimos e a maneira como vivemos juntos. Quando se trata do dinheiro em si - em vez dos símbolos que o representam, os livros de contabilidade onde as pessoas o registram ou os edifícios (como os bancos) nos quais as pessoas o administram - não há nada físico para olhar ... Mas a moeda não é o dinheiro em si ... Moedas, em outras palavras, são tokens úteis para registrar o sistema subjacente de contas de crédito e para implementar o processo básico de compensação [dessas contas].”
Infelizmente, quando pensamos em dinheiro (um substantivo) pensamos automaticamente em notas, em papéis e metais preciosos, não em uma instituição pela qual um processo de confiança é administrado (um verbo). Não devemos pensar no que é o dinheiro, mas no que o dinheiro faz. Pois o fato crucial sobre sua natureza é que o dinheiro é uma tecnologia ou procedimento, criado para administrar a confiança, a confiança de que o credor será reembolsado. Pois confiar é acreditar em alguém, dar-lhe crédito, e se ele/ela está em dívida com você, ele/ela realmente está em dívida com você (portanto, crédito e dívida) - um fato claramente afirmado pelos Cavaleiros de Malta, quando em 1565 estamparam em suas moedas o lema: Non Aes, sed Fides - Não o Metal, mas a Confiança.
Por volta de 5.000 anos atrás, estados centralizados foram estabelecidos no Crescente Fértil (atual Iraque), que funcionavam em camadas burocráticas, com cadeias de comando controladas hierarquicamente, onde os bens eram racionados. Seu tamanho e complexidade criaram problemas de organização bastante novos e difíceis, pois uma economia urbana precisa de planejamento e tributação. Precisava-se alimentar cidadãos, tropas e também havia comércio. Esses estados estavam centrados em cidades, como Uruk, na Mesopotâmia, às margens do Rio Tigre, com uma população de mais de 50.000 habitantes.
Aqui, a especialização dos papéis cívicos e técnicos para diferentes pessoas ocorreu pela primeira vez. Havia fazendeiros, artesãos e soldados, todos organizados sob uma burocracia religiosa, governada por um monarca sacerdotal. Cada um tinha um papel a desempenhar.
A forma como esses estados foram organizados envolveu a coleta e realocação de todos os bens de e para depósitos centrais. Eles eram administrados pelos burocratas sacerdotais do governante, aos quais os fazendeiros traziam seus produtos dos campos ao redor da cidade. Essa produção era então consumida pelos governantes, pelos seus soldados, pelos administradores sacerdotais, pelos artesãos que faziam as ferramentas, as armas e os ornamentos, pelos comerciantes e pelos próprios agricultores. Este sistema atendeu a todas as necessidades, por um certo período, mesmo em tempos de fome.
Agora imagine os primeiros contadores do mundo, sentados à porta do depósito do templo, usando pequenas pedras para contar à medida que as provisões chegam e saem: um tanto de grão, óleo, peixe, etc... Penso que seria quase impossível de se controlar com exatidão. Então, como acompanhar todas essas entradas e saídas de materiais?
A resposta foram três invenções importantes: contabilidade, escrita e numeramento.
(1) Contabilidade, que poderia gerenciar símbolos representando grandes quantidades, dividi-los em porções e relacioná-los ao uso ao longo do tempo.
(2) Escrita, que fazia um registro permanente da contabilidade.
(3) Numeracia, que criou um novo conceito - número - um conceito que poderia representar quantidade sem ter que contar e separar fisicamente itens reais.
A importante invenção do dinheiro, como uma escala universal e descentralizada de valor econômico, só ocorreu muito depois da invenção da contabilidade. Em algum momento no 7º século aC que as primeiras moedas de metal apareceram. Elas foram cunhadas na Lídia (onde hoje é a Turquia Ocidental) e feitas de eletro, uma liga natural de ouro e prata. Esta invenção foi logo copiada por outros gregos ao redor do Mar Egeu. Por volta de 480 aC, havia quase cem casas da moeda na região.
A experiência mostrou que transportar grandes quantidades de ouro, prata ou outros metais era inconveniente e corria-se o risco de perda ou roubo. O primeiro uso de papel- moeda ocorreu na China a mais de 1.000 anos. No final do século XVIII e início do século XIX, papel-moeda se espalhou para outras partes do mundo. A maioria do dinheiro em uso passou a consistir não em ouro ou prata reais, mas em dinheiro fiduciário - promessa de se pagar o que os papéis representavam no mesmo ouro e prata. O padrão-ouro e Bretton Woods merecem um artigo específico.
Embora os depósitos tenham começado como reivindicações de troca por metais preciosos em pontos específicos no comércio, isso mudou mais tarde. Sabendo que nem todos reivindicariam seus papéis ao mesmo tempo, o banqueiro (ou comerciante) poderia emitir mais notas convertíveis em ouro e prata do que a quantia mantida em custódia. Os banqueiros poderiam então investir a diferença (em papéis) ou emprestá-la a juros. Em períodos de crise, no entanto, quando os tomadores de empréstimos não pagam suas obrigações ou em caso de emissão em excesso, esses bancos podem falir, colapsando o sistema. Dessa forma, gradualmente, os governos assumiram um papel de supervisão.
Mas afinal, o que é bitcoin?
Sem o conceito correto do que é dinheiro, não haveria como definir bitcoin, porque em derradeira instância, bitcoin é uma forma digital de dinheiro, chamada criptomoeda. Uma criptomoeda (ou “criptocurrency”) permite que indivíduos transfiram valores em um ambiente digital. Porém, ao contrário das moedas fiduciárias que explicamos, não existe um banco central governamental que a controla. Em vez disso, o sistema financeiro do bitcoin é executado por uma rede de milhares de computadores distribuídos em todo o mundo, os nós.
A bitcoin foi a primeira criptomoeda, anunciada em 2008 (e lançada em 2009). Ela fornece aos usuários a capacidade de enviar e receber dinheiro digital (bitcoins, com b minúsculo ou BTC). O que a torna tão atraente é o fato de não poder ser censurada, fundos não podem ser gastos mais de uma vez e as transações podem ser feitas a qualquer momento, de qualquer lugar.
Quando alguém envia BTC para qualquer lugar, também é chamado de transação. As transações feitas numa loja física ou online são documentadas por bancos, sistemas fiscais e recibos tradicionais. Os “mineiros” de Bitcoin alcançam o mesmo fim agrupando as transações em “blocos” e adicionando-as a um registro público chamado blockchain. Os nós mantêm registros desses blocos para que possam ser verificados por qualquer um no futuro.
Uma blockchain é apenas um banco de dados. E não é algo particularmente sofisticado - você pode criar uma usando uma planilha eletrônica, com pouco esforço.
Cada entrada/adição no banco de dados é criptograficamente vinculada à última entrada. Simplificando, cada nova entrada deve conter uma espécie de "impressão digital" (hash) referenciando o bloco anterior. Como cada "impressão digital" aponta para a última, o resultado é uma cadeia de blocos, uma blockchain. Porém ela é imutável: se você alterar um bloco, ele altera a impressão digital. Como essa impressão digital também é incluída no próximo bloco, o bloco seguinte também será alterado, tornando fácil a percepção de uma reação estilo dominó, inviabilizando qualquer tentativa de adulteração.
Para adicionar um bloco de transações à blockchain, os “mineiros” devem resolver um problema matemático computacional complexo, também chamado de “prova de trabalho'', que demandam grande poder de processamento. Parte importante é garantir que essas transações sejam precisas. Em particular, os mineradores de bitcoin certificam-se de que o bitcoin não seja duplicado. De fato, o que eles estão realmente fazendo é tentar chegar a um número hexadecimal de 64 dígitos, o hash.
Seria algo assim: Vc leitor, adivinhe em que número estou pensando? Dica - estou pensando em um número hexadecimal de 64 dígitos. Agora você vê que será extremamente difícil adivinhar a resposta certa. Os mineradores de bitcoin não apenas precisam encontrar o hash certo, mas também devem ser os primeiros a fazê-lo para serem recompensados com uma fração da moeda mineirada.
Basicamente, o computador de um mineiro emite hashes em taxas de velocidades diferentes, sugerindo todos os 64 algarismos até chegarem a uma solução matematicamente correta. Em outras palavras, é uma aposta.
Enfim, não obstante toda tecnologia envolvida ao longo da história, o importante é termos em mente que as moedas nunca foram o dinheiro. Elas apenas representam o dinheiro. Independente da forma e instrumento (bitcoin, moedas cunhadas ou cédulas impressas) sempre foram símbolos. Sinais de confiabilidade, de que uma dívida será paga. E esses instrumentos são apenas instrumentos, por mais raro e valioso que sejam, pois o dinheiro em nossa época nada mais é que uma ideia ilusória de valor universal, um processo que visa reduzir todos os itens, atos e qualidades a um único modo de avaliação. Enquanto apenas uma pequena minoria entender tudo isso, o resto de nós está aberto à exploração moral e financeira.
Comentários